A incompletude até os limites da ficção
A palavra é provavelmente o tema mais frequente deste livro. Uma constante ironia nem sempre fina mas infalivelmente certeira induz o leitor a um permanente estado de atenção. O estilo tem um toque de informalidade aliada a um vocabulário rico que torna a intervenção do narrador uma parte importante da narrativa. Os diálogos interiores misturam-se a tal ponto que autor e leitor não raro trocam de lugar. Da mesma forma, o cômico e o trágico conjugam-se e se interpenetram. Os temas, por sua vez, aproximam-se e se complementam. Para quem comenta um livro, é sempre tentador encurtar o caminho com exemplificações das qualidades apontadas. Então, em desrespeito a um dos agudos comentários de Jorge Solano, segundo o qual exemplos prejudicam a teoria, seguem-se algumas observações que certamente hão de ser prejudiciais à interpretação.
O primeiro conto, O encomiasta, mostra a descoberta do poder da linguagem. O protagonista especializa-se na arte do discurso e faz dela uma obsessão, enredando-se na ditadura da palavra. A partir daí, a própria vida assume papel secundário. O sério jogo verbal prossegue em Jorge e as palavras, cujo título evoca a tensão autor\personagem, desembocando na irrealizada tarefa de fazer do verbo a carne. E é no conto central – do ponto de vista meramente ordinal – que se atinge o ápice de tensão, quando o criador se mistura de vez à criatura. Não por acaso intitulado Eu quase, o conto traz a velha mas nunca desgastada oposição entre ficção e realidade. A sensação de incompletude então se exacerba em sua melancolia. Como bônus, entre uma ironia e outra, referências literárias, filosóficas e religiosas dão um sabor rico a histórias que por vezes têm um leve sabor de crônica. Trata-se de uma obra a transitar sempre em alguma fronteira mas que mantém com firmeza seu questionamento pelas possibilidades da vida humana.
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