Clássico é clássico em vice-versa
A segunda edição de um livro, mais do que um retorno de um texto, é uma nova enunciação. A diferença de tempo entre os trabalhos colocam a obra, mesmo sendo a mesma, em uma nova teia de leituras. É, logo, quase uma odisseia sair do Sobrado, estreia poética de Duílio Kuster Cid, e chegar no Sobrado, anos depois: o mesmo e, ao mesmo tempo, outro.
Um mar de acontecimentos atravessa o espaço entre a primeira edição e a que sai, agora, pela editora Cândida. Uma distância que só alimenta as possibilidades de leitura do próprio texto, posto que, já é natural do clássico que desenvolva, imperativamente, um trabalho sob o tempo. Seja de resistência, permanecendo vivo e presente, ou de perpétua atualização, morrendo e ressurgindo.
Clássico seria, convencionalmente, o elemento do cânone. O referencial em relação ao qual todo um sistema se volta como medida de comparação, seja na possibilidade de assimilação ou diferença. No caso de Duílio, clássico é dado do jogo. É a possibilidade de subversão de propostas por uma nova criação sobre bases que nos pareciam muito sólidas. A navegação até o retorno de Sobrado mostrou, a partir das produções dramáticas de Duílio e de seu segundo livro, O Canto da Crise, que as referências a uma cultura greco-latina, portanto clássica, não são um acaso, mas um projeto estético.
Nesse sentido, o clássico é o objeto de trabalho de Duílio. É na amálgama entre um conjunto de referências, tão naturais ao ocidente, que ele desenvolve uma nova emulação. Um diálogo que se estabelece desde a epígrafe até a organização dos textos, em que o autor propõe, ao mesmo tempo, um retorno e uma fuga. Sem desenhar um destino, evidencia, na verdade, o ponto de partida e a distância. Se as grandes epopeias aconteciam entre povos, guerras, ou na descida até o inferno, aqui elas ocorrem na rua, num aposento, num porão. Um espaço limitado, mas capaz de conter, em detalhes, uma denúncia de que a razão, esse instrumento clássico, tem sua cota de responsabilidade na nossa tragédia. Ou melhor, na nossa tragédia inconclusa, posto que a tragédia, por excelência, seria o encontro do humano com o seu próprio destino, algo que não condiz com o desamparo da contemporaneidade.
É curioso, e enriquecedor, que se tenha uma proposta de poema épico deformado. Fora dos rigores das grandes formas fixas. Para fazer pensar o que as grandes narrativas têm para dizer aos novos navegantes de velhas promessas que não foram cumpridas. Ou, por outro lado, é curioso pensar em como narrar um mundo caduco como se fosse parte das grandes narrativas. Como seria a nossa épica? A grande alegria de uma segunda edição de O Sobrado é poder retornar ao Sobrado depois dele e desenhar um novo laço entre autor e obra, confirmando que, segundo a proposta de Duílio, navegar é preciso.
Gabriel Barbosa
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